Audiência na Maloca debate reconhecimento de comunidades quilombolas

O reconhecimento de comunidades quilombolas foi amplamente debatido na última sexta, 12, em audiência pública realizada na Maloca. Localizada no bairro Getúlio Vargas, na capital, a Maloca surgiu em meados de 1900 e foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 2007 como o primeiro território de quilombo urbano em Sergipe, recebendo ainda a chancela de Patrimônio Imaterial da cidade de Aracaju, através da lei municipal 215/2015.

Com o tema “O Estado e os Quilombos de Sergipe”, a audiência discutiu a aplicação do Decreto 4887/2003, que regulamenta a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O documento declara as áreas ocupadas como de interesse social. Com isso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pode avaliar os imóveis que, após a indenização dos proprietários, devem passar para as comunidades, assegurando o direito à terra, previsto na Constituição.

Reunindo a comunidade local, representantes do poder público estadual e municipal, e outras comunidades quilombolas sergipanas, como as de Siriri, Ladeiras, Patioba e Castanhola; a audiência também debateu o artigo 68 da Constituição Federal, que determina aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras o “reconhecimento à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Ainda segundo o art. 215 do texto constitucional, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Apesar de o texto legal, contudo, a comunidade da Maloca ainda não recebeu a titulação efetiva, assim como acontece em outras comunidades brasileiras remanescentes quilombolas. Faltando apenas a assinatura da Presidência da República, o documento encontra-se paralisado. O representante da Maloca e fundador da ONG Grupo ‘Criliber Criança e Liberdade’, Luiz Bonfim, destacou a necessidade de se traçar ações conjuntas buscando o cumprimento das leis. “A lei é bem expressa é verdadeira sobre os direitos do povo negro e quilombola do Brasil. É um momento histórico realizar essa audiência pública e representar as comunidades quilombolas de Sergipe. Estamos dando continuidade ao processo de luta em defesa da vida, dos direitos e contra todas as formas de preconceito e discriminação”, disse Luiz Bomfim.

União de forças
O contato com os órgãos é o primeiro passo para o processo de desenvolvimento de políticas públicas, segundo defende Iyá Sonia Oliveira, referência técnica para povos e comunidades tradicionais da secretaria de Estado da Inclusão Social. “Para que possamos nos organizar, é importante saber quais são os nossos papeis e como devemos fazer a nossa cobrança. Esperamos a assinatura do presidente para que os governos estadual e municipal possam referendar os direitos às comunidades quilombolas. Mas, para além disso, devemos estabelecer o diálogo e entender qual é o espaço que temos hoje para as nossas proposituras, pois cada governo tem a sua forma de agir. A Seit está de portas abertas e a nossa ouvidoria está à disposição para essa construção coletiva”, disse Sônia Oliveira – que no ato, representava a secretária de Estado da Inclusão Social, Lêda Couto.

O coordenador nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Carlos Augusto Conceição, pediu um minuto de silêncio em memória do designer sergipano Clautênis José dos Santos, e do músico e segurança carioca Evaldo dos Santos Rosa, baleados em abordagens policiais. “Essas ações não condizem com a prática legal que a polícia pode fazer. Essa audiência serve de referência para outras comunidades. Em tempos de autoritarismo, sabemos que em nível federal não há interesse em promover políticas públicas para a população negra. Mas, acreditamos que nos níveis estadual e municipal conseguiremos avanços”.

Diversas ações culturais são desenvolvidas na comunidade através da ONG Criliber. O presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju), Cássio Murilo Costa, avalia que já houve avanços nas políticas públicas culturais, mas ainda há trabalho a ser feito. “Nós, que estamos na gestão, temos a responsabilidade de ouvir as demandas da comunidade civil organizada. Temos a compreensão de que a Cultura é um processo social identitário e é parte fundamental nos instrumentos de luta e reconhecimento das comunidades quilombolas. Estamos com uma política de editais com critérios étnico-raciais e de gênero. Isso é um avanço, resultado de ações de controle social. Mas ainda é preciso construir processos constitutivos e estruturantes”, falou.

Para o integrante da ONG Criliber e presidente da Liga Sergipana de escolas de Samba, Pedro Raimundo, a organização de mais discussões como essa na comunidade se evidencia como uma necessidade. “Temos uma longa história de luta e hoje temos um título importante que falta apenas uma assinatura para sair do papel. Esse quilombo é um ponto fundamental de apoio à comunidade. As conquistas estão vindo, mas as necessidades da Maloca são diversas e estão distantes de serem alcançadas. É um processo coletivo grande, por isso precisamos de fortalecimento e diálogo. Vamos lutar pelo que nos é de direito”, disse.

Representando a vice-governadoria do Estado de Sergipe, Silvio Santos afirmou que a comunidade Maloca simboliza a luta dos negros na capital sergipana e que suas demandas devem ser ouvidas. “Os avanços se devem, principalmente, à mobilização e à luta da comunidade, através das parcerias e aproximação com o serviço público. Devemos fazer uma busca ativa de demandas junto às comunidades para esclarecer de quais formas elas podem buscar as suas reivindicações”, disse.

Presenças

Também compuseram a mesa de abertura dos debates o promotor de Justiça do Ministério Público de Sergipe (MP/SE), Luís Fausto Valois; a diretora de Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania de Aracaju, Lídia Anjos; a coordenadora de Educação para Relações Étnico-raciais da Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc), Adriane Damasceno; e a representante da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB/SE), Lucilene Santos Vieira.

Fotos: Pritty Reis

Última atualização: 16 de abril de 2019 10:03.

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